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terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Retiro. VI - “No deserto o Senhor te educou”

Dom Henrique

O deserto para o qual o Senhor conduz Israel após tirá-lo da escravidão tem um sentido profundíssimo: “Lembra-te de todos os caminhos que o Senhor teu Deus te fez andar nestes quarenta anos pelo deserto, para te humilhar e te provar, para conhecer tuas intenções, e saber se observarias ou não os mandamentos. Ele te afligiu, fazendo-te passar fome e depois te alimentou com o maná, desconhecido por ti e por teus pais, para te mostrar que nem só de pão vive o homem mas de tudo que procede da boca do Senhor. Tuas vestes não se gastaram pelo uso nem os pés se encheram de calos durante os quarenta anos. Reconhece, pois, em teu íntimo que, como um homem corrige o filho, assim o Senhor teu Deus te corrige” (Dt 8,2-5).

O deserto é o lugar da prova, do desalento, para que o homem perca suas muletas, suas falsas seguranças e, assim, aprendendo a esperar somente em Deus, descubra quem é.

O deserto é o lugar no qual Israel descobrirá quem é realmente e quem é o seu Deus! Uma experiência dolorosíssima! O tempo no deserto é tempo da formação do povo e também, misteriosamente, tempo de núpcias, tempo de provação e de graça!

A experiência do deserto será paradigma de toda autêntica experiência do Deus vivo. Deus é assim: provando, colocando em crise, desposa eternamente: “Assim diz o Senhor: ‘Lembro-me de ti, do amor de tua juventude, do carinho do teu noivado, quando me seguias pelo deserto, por uma terra agreste. Israel era sagrado para o Senhor, as primícias de sua colheita; todos os que o devoravam, tornavam-se culpados, a desgraça caía sobre eles’ –oráculo do Senhor” (Jr 2,2s).

O caminho de Israel no deserto é o nosso caminho nesta vida e neste mundo, caminho de todo o crente, caminho que não é turismo, mas peregrinação: os caminhos, os modos, os tempos e o destino são determinados pelo Senhor.

Eis o que é ser cristão: deixa-se o Egito do pecado nas águas do Mar Vermelho da pia batismal, atravessa-se o deserto da conversão a Deus, para chegar-se à Terra Prometida, que é a comunhão com o Cristo Jesus, nesta vida e na outra: “Com alegria, agradecei a Deus Pai, que vos tornou capazes de participar da herança dos santos no reino da luz. Que nos livrou do poder das trevas e transportou ao reino de seu Filho amado, no qual temos a redenção: a remissão dos pecados” (Cl 1,12ss).

O próprio Senhor Jesus quis experimentar este deserto de Israel e vencer onde Israel fracassara:

(1) À fome do povo e à sua conseqüente murmuração contra o Senhor, à qual o Senhor Deus responde com o dom do maná (cf. Ex 16; Nm 11), é contraposta a tentação diabólica de mudar as pedras em pão (cf. Mt 4,3; Lc 4,3). A resposta de Jesus tem um profundo sentido teológico: “Ele te afligiu, fazendo-te passar fome e depois te alimentou com o maná, desconhecido por ti e por teus pais, para te mostrar que nem só de pão vive o homem, mas de tudo que procede da boca do Senhor” (Dt 8,3). Em outras palavras: nas suas experiências de pobreza e de insuficiência, o homem deve recordar que ele não se sustenta realmente com os pães deste mundo, mas com a palavra que sai da boca de Deus; palavra viva e eficaz, palavra que se fez carne e habitou entre nós, palavra que é o próprio Jesus!

(2) À sede de Israel e ao protesto em Massa, que levou Moisés a pecar tentando a Deus (cf. Ex 17,1-7), corresponde a sedução diabólica de obrigar Deus ao milagre: “Se és filho de Deus, joga-te daqui para baixo. Porque está escrito: A teu respeito ordenou a seus anjos e eles te carregarão nas mãos, para não tropeçares em alguma pedra” (Mt 4,6). A resposta de Jesus é ressonância da advertência de Dt 6,16, que se refere a Massa: “Não tenteis o Senhor vosso Deus, como o tentastes em Massa”.

(3) Finalmente, a suprema tentação de substituir o verdadeiro Deus, invisível, misterioso e incontrolável, por um ídolo manipulável e que desse segurança (o bezerro de ouro - Ex 32; os deuses de Canaã - Ex 23,20-33; 34,11-14). A esta, corresponde a tentação a Jesus: “Tudo isso te darei se, caindo por terra, me adorares” (Mt 4,9). A resposta de Jesus, recorda, mais uma vez, o ensinamento do Deuteronômio: “Temerás o Senhor teu Deus, a ele servirás e pelo seu nome jurarás” (6,13).

Assim, Jesus vence estas tentações do Povo eleito e nossas! Santo Agostinho ensinar-nos-á a respeito: “O Senhor nos representou em sua pessoa quando quis ser tentado por Satanás. Em Cristo também tu eras tentado porque ele assumiu a tua condição humana, para te dar a sua salvação; assumiu a tua morte para te dar a sua vida; assumiu os teus ultrajes, para te dar a sua glória. Por conseguinte, assumiu as tuas tentações, para te dar a sua vitória. Se nele fomos tentados, nele também vencemos o demônio. Consideras que o Cristo foi tentado e não consideras que ele venceu? Reconhece-te nele em sua tentação, reconhece-te nele em sua vitória! O Senhor poderia impedir o demônio de aproximar-se dele; mas, se não fosse tentado, não te daria o exemplo de como vencer na tentação” (Santo Agostinho - Comentários sobre os Salmos).



Para pensar e rezar:

= Os desertos que atravessamos são como as noites desta vida... Por qual deserto você está atravessando agora? Como tem reagido? Tem caminhado na presença do Senhor?

= Lembra-te: o Senhor te faz atravessar o duro deserto para te libertar de ti mesmo, de tuas escoras... Ele te faz saber, no sofrimento, o que tens no teu coração... Quem és tu? Do que és capaz? Até onde amas o teu Deus? Até onde Nele confias?

= Se no deserto o Senhor te prova, aí também te desposa, na medida em que te entregares a Ele...

= Para não morreres no deserto, para nele não te extraviares, pensa no que te diz o Senhor: (1) Tu não viverás de verdade se viveres somente do que alimenta teu coração neste mundo! Alimenta-te, isto sim, da Palavra de Deus; vive nela, e viverás! (2) Não deves endeusar bezerros de ouro, deuses fáceis e falsos! Adorarás só e exclusivamente o Senhor teu Deus! A Ele te entregará, Nele confiarás, no Seu santo Nome colocarás toda a tua esperança. (3) Nunca porás à prova o teu Deus! Ele não se rebaixa a isto, não se submete às provas dos filhos de Adão! Assim, temerás com amor o teu Deus! Ele é Santo, Ele é Único, Ele é Deus!

= Retome as palavras de Santo Agostinho e medite nelas...

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