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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2012

Retiro.III. Salvo de modo maravilhoso




Dom Henrique

É no mais profundo da miséria de Israel que Deus vai se revelar ao seu povo e este irá aprender a conhecê-lo: “O Senhor disse a Moisés: “Eu vi a opressão de meu povo no Egito, ouvi os gritos de aflição diante dos opressores e tomei conhecimento de seus sofrimentos. Desci para libertá-los das mãos dos egípcios e fazê-los subir desse país para uma terra boa e espaçosa, uma terra onde corre leite e mel” (Ex 3,7s).

O Senhor um Deus que liberta: não tolera a escravidão de seus fiéis: somente alguém livre pode entrar em relação efetiva com este Deus... Por isso ele liberta: liberta para a comunhão Consigo! Libertou Israel e nos liberta. Escravos dos senhores deste mundo – sejam eles quais forem – jamais poderemos entrar numa verdadeira comunhão com Deus!

Ele se revelará como o Deus próximo, o Deus que desce, aquele que está aí para salvar: “Moisés
disse a Deus: ‘Mas, se eu for aos israelitas e lhes disser: ‘O Deus de nossos pais enviou-me a vós’, e eles me perguntarem: ‘Qual é o seu nome?’ que lhes devo responder? Deus disse a Moisés: ‘Eu sou aquele que sou. Assim responderás aos israelitas: ‘Eu sou’ envia-me a vós’ Deus disse ainda a Moisés: ‘Assim dirás aos israelitas: O Senhor, o Deus de vossos pais, o Deus de Abraão, Deus de Isaac e Deus de Jacó, envia-me a vós. Este é o meu nome para sempre, e assim serei lembrado de geração em geração” (Ex 3,13ss).

O nome que Deus dá a si próprio, nesta perícope, é de sentido muito incerto. A palavra IHWH, ao que tudo indica, deriva do verbo hebraico hawah (ser, estar presente, ser atuante), Assim, apresentaria um sentido bastante complexo, que implicaria várias atitudes de seus fiéis:

· Confiança certa: Eu estou aqui convosco de tal modo que podeis contar comigo. Até caminhando no vale da morte, podeis confiar em mim, que estou aqui! Até quando fugis de mim, duvidando, gritando ou emudecidos, podeis saber: Eu estou aqui convosco, ainda que vós não me reconhecêsseis.
·
Disponibilidade: Eu estou aqui convosco, de tal modo que tendes que contar comigo, quando e como quero - talvez até em momento e de modo que vos incomode. Pode ser que haja situações em vossos caminhos nas quais não queríeis lembrar-vos que eu estou aqui convosco ou nas quais preferiríeis outro deus!
·
Exclusividade: Eu estou aqui convosco, de tal modo que deveis contar unicamente comigo como aquele que pode estar próximo de vós e vos salvar. Contar comigo exige de vós a decisão clara de levar a sério que eu sou o único para vós: só em mim podeis e deveis encontrar o verdadeiro amor, a verdadeira bondade e a verdadeira vida!

· Ilimitação: Eu estou aqui convosco de tal modo que minha proximidade não tem limites de
lugar, tempo ou instituição. Quando estou aqui convosco, posso estar também com vossos inimigos. Minha proximidade transcende a terra, sobre a qual viveis e da qual, muitas vezes, vos fazeis o centro. Sequer a morte é limite para mim e não pode limitar minha vitalidade.
Uma coisa é certa: o Deus de Israel aparece numa total liberdade e gratuidade: um Deus nômade, indomável! Israel jamais haverá de penetrar até o fundo no mistério de sua realidade, de modo que o seu Nome nunca poderá ser completamente compreendido, será sempre “misterioso”: é o Deus escondido que, mesmo pronunciando-se, é Silêncio! Ele é o Deus existente, em contraste com os ídolos, que são nada! Deus surpreendente, este: tão transcendente e tão próximo: ver-me-eis em meu agir! Por isso mesmo, não se pode brincar com o Seu santo Nome, nem deveríamos
pronunciá-lo à toa! Seria bom seguir o costume dos judeus, de Jesus e dos apóstolos: onde aparece o Nome (IWHW), lê-se “Senhor”! Por isso mesmo a Igreja proíbe que nas orações e cânticos litúrgicos se utilize o Nome revelado no Sinai!

No entanto, esta presença de Deus é sempre desconcertante: Israel terá de ver sua servidão tornar-se mais pesada e sua dor aumentar... Diante do silêncio de Deus. A decepção de Moisés retrata o sentimento do povo: “Em seguida, Moisés e Aarão apresentaram-se ao Faraó e lhe disseram: ‘Assim diz o Senhor Deus de Israel: Deixa partir o meu povo, para que me celebre uma festa no deserto’. Mas o Faraó respondeu: ‘E quem é o Senhor para que lhe deva obedecer, deixando Israel ir? Não conheço o Senhor, nem deixarei Israel partir’. Eles disseram: ‘O Deus dos
hebreus marcou um encontro conosco. Deixa-nos ir a três dias de viagem no deserto, para oferecermos sacrifícios ao Senhor nosso Deus. Do contrário, a peste e a espada nos atingirão’. Mas o rei do Egito lhes disse: ‘Por que vós, Moisés e Aarão, levais o povo a transcurar os trabalhos? Ide para vossas tarefas!’ E o Faraó acrescentou: ‘Eles já são mais numerosos que a população local, e vós quereis fazê-los interromper suas tarefas?’ Naquele mesmo dia o Faraó ordenou aos inspetores do povo e aos capatazes, dizendo: ‘Não forneçais mais palha a esta gente para fazer tijolos, como antes fazíeis. Que eles mesmos busquem a palha. Mas exigi a mesma quantia de tijolos de costume, sem tirar nada. São uns preguiçosos, e por isso reclamam: ‘Queremos ir oferecer sacrifícios ao nosso Deus’. Carregai estes homens com mais trabalho, para que estejam ocupados e não dêem ouvidos a palavras mentirosas’.

Os inspetores e os capatazes foram, pois, dizer ao povo: ‘Assim diz o Faraó: Não vos darei mais
a palha. Devereis ir buscar a palha onde a puderdes encontrar. Em nada, porém, será diminuída a vossa tarefa’. O povo dispersou-se por todo o Egito em busca de palha. Mas os inspetores pressionavam-nos dizendo: ‘Terminai a tarefa marcada para cada dia, como quando havia palha’. Castigaram os capatazes israelitas que os inspetores do Faraó haviam nomeado, alegando: ‘Por que nem ontem, nem hoje, completastes a quota costumeira de tijolos?’

Os capatazes israelitas foram queixar-se com o Faraó, dizendo: ‘Como podes proceder assim com
teus servos? Não se fornece palha a teus servos, e nos mandam fazer tijolos. Nós somos açoitados, mas o culpado é o teu povo’. O Faraó respondeu: ‘Sois mesmo uns preguiçosos e por isso dizeis: ‘Queremos ir oferecer sacrifícios ao Senhor’. E agora, ide trabalhar! Não vos será dada a palha, mas devereis produzir a mesma quantia de tijolos’.
Os capatazes israelitas se viram em má situação com a ordem de não diminuir em nada a quota
diária de tijolos. Encontraram-se com Moisés e Aarão, que os estavam esperando na saída do palácio do Faraó, e lhes disseram: ‘Que o Senhor vos examine e julgue: vós nos tornastes odiosos diante do Faraó e dos seus servidores e lhes pusestes na mão a espada para nos matar’. Então Moisés voltou-se para o Senhor , dizendo: ‘Meu Senhor, por que maltratas este povo? Para que foi que me enviaste? Desde que fui ter com o Faraó para lhe falar em teu nome, ele maltrata o povo, e tu nada fazes para libertá-lo’” (Ex 5).

Deus é assim: age na noite, pois Sua luz nos cega, nos deixa em trevas, pois não podemos compreender totalmente o Seu modo de agir! E aí, só nos resta duas saídas: ou renegá-Lo, dizendo “Tudo é absurdo sem nexo; Deus não existe!” ou abandonar-se e dizer: “Creio em Ti, que me ultrapassas! Abandonando-me em Ti, em Ti esperando contra toda esperança, eu vejo a luz!” São João da Cruz afirma que, nesta vida, Deus, para nós, é nada mais nada menos que noite escura! O nosso Deus sabe agir nas noites da vida! Segundo um antigo poema hebraico, chamado “Das Quatro Noites”, o Senhor agiu em quatro noites memoráveis, evocadas pela noite da Páscoa. Nessas noites, Deus cria ou criará:

· A primeira: Deus tirou do caos o universo, quando manifestou-se sobre o mundo para criá-lo. As trevas estendiam-se sobre a superfície do abismo e a Palavra do Senhor era a luz que iluminava.
· A segunda: Isaac foi salvo da treva da morte e viu a luz da vida.

· A terceira: Israel foi salvo da escura morte da escravidão no meio da noite e o Senhor disse: “Meu filho primogênito é Israel” – e ele viu a luz de uma nova vida.

· A quarta: o mundo será libertado das trevas do mal e da morte e todas as gerações de Israel serão salvas. Nesta noite, o Messias virá e luz brilhará para sempre!
Um Deus que salva na noite, o nosso Deus! Assim, na noite da fé, o povo terá que esperar pelas pragas, pelo coração duro de faraó, até que o Senhor o liberte! Terá ainda que passar pelo susto às margens do Mar Vermelho. Finalmente, Israel verá o quanto o Senhor o ama e nele acreditará: “Naquele dia o Senhor livrou Israel da mão dos egípcios, e Israel viu os egípcios mortos nas praias do mar. Israel viu a mão poderosa do Senhor agir contra o Egito. O povo temeu ao Senhor, e teve fé no Senhor e em Moisés seu servo” (Ex 14,30s).

Para pensar e rezar:

= “Assim diz o Senhor Deus de Israel: Deixa partir o meu povo, para que me celebre uma festa no
deserto!” – Pense: Só quem é livre pode prestar culto ao Senhor! É preciso partir: partir de si mesmo, partir de seu pecado, partir de quanto o escraviza! E partir não para se fazer o que quer, para se viver do seu modo, mas para fazer da vida um culto a Deus! Eis a verdadeira liberdade! Pense nisto!

= Quem são seus senhores: o Deus vivo ou tantos vícios, apegos, pecados e opções tortas?

= O Nome de Deus é Santo, é Misterioso! Isto significa que não poderemos nunca compreender Deus totalmente: Ele é o Outro, o Misterioso, o Infinito, o Santo! Respeite profundamente a Deus e tudo quanto tenha relação com Ele! Ele não é seu compadre, não é o cara legal! Ele é Deus! Você é somente pó que o vento leva! Ele está no céu; você está na terra!

= Reflita bem: Deus, para nós, nesta vida, é nem mais nem menos que noite escura! Sua luz é tanta que nos cega! “De noite, mesmo de noite, iremos buscar a Fonte! Só nossa sede ilumina!”

= Um dia, a luz do Messias, Jesus nosso Senhor, iluminará este mundo. Então a história entrará na glória e o tempo na eternidade! E já não haverá noite porque o próprio Deus nos iluminará e o Cordeiro será nossa lâmpada! Até lá, caminhamos pela fé; não pela visão...

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